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No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O homem-Everest

http://www.youtube.com/watch?v=7uVPVf42-Ow&feature=related

Faz tempo que não escrevo.
Primeiro foi trabalho demais. Aí vieram as férias, e eu quis 'descansar' de ler. Depois vem o trabalho de novo. É um ciclo. Vicioso.
Mas hoje, dia 27 de janeiro de 2011, recuperei uma imagem que marcou a mim, a minha geração, ao mundo e ao doce-amargo da nossa participação política. O que somos hoje?
Era 1989, e todos vimos nos jornais e revistas e na TV aquela imagem simbólica: um jovem estudante diante de uma fileira de tanques do exército chinês. Ele os enfrentava (parece) que com duas sacolas ou um casaco nas mãos, sem armas. Dava passos à direita e à esquerda, numa coreografia da coragem pacífica de um homem de bem. Ele, apesar da fúria e da violência do governo chinês, deteve os tanques, usando a paz.
Depois de fazer evoluções no asfalto, como um passista que rodeia sambando a porta-bandeira restrigindo seu trajeto, ele escalou o primeiro tanque da fila. As duas sacolinhas (ou um casaco) nas mãos, provavelmente carregava víveres, doces para os filhos, um jornal, não se sabe direito. Mas ali, naquele movimento, esse tanque simbolizava um mundo -- o sonho, a liberdade, o desejo, a alforria. Um grito póstumo à revolução chinesa.
Ele perscrutou a janela no alto do tanque, como uma criança inocente gira a roda de um carrinho e presta atenção. Ali chegara não se sabe como, era um feito, como um homem que escala sozinho e crava sua bandeira no alto do Everest.
Depois, escorregou de volta para o asfalto. Agora só havia um jornal ou uma sacola ou um casaco (não se sabe) na mão esquerda. O tanque, covardemente tentou uma manobra rápida à direita, para evitar esse doce constrangimento: um homem sozinho, sem armas, pacífico, interrompe a marcha assustadora de uma fileira de tanques. Mas ele se arvorou mais uma vez de sua terna coragem pacífica. Tentou de novo trancar-lhe o caminho.
De repente, um manifestante se aproxima, vindo de bicicleta, e tenta convencê-lo a sair dali. Chegam mais dois e o agarram e o empurram para longe da trajetória dos tanques.

Ao longo das manifestações da população chinesa, o desfecho do conflito se deu com os tanques, literalmente, esmagando estudantes, intelectuais, mães, pais, pessoas, e a coragem de um povo... Crianças e idosos foram feridos a tiro pelo exército chinês. A contagem depois da tragédia não se sabe ao certo mais de 20 anos depois: seriam 300, centenas, 3 mil mortos? Milhares de manifestantes foram presos e a mesma quantidade deixou o país.
O massacre da praça da paz celestial, como ficou conhecido (e me nego a colocá-lo em maiúsculas), e o rastro que deixou desses anos todos tamponou o desejo e o clamor pela democracia na China. É tudo silêncio depois do massacre.
O anônimo que enfrentou o exército chinês sem armas, o homem-tanque, que prefiro chamar de homem-Everest, foi eleito pela revista Time uma das pessoas mais influentes do século XX. Ele, esse homem que queria apenas escalar seu próprio Everest.