Quem sou eu

Minha foto
No blogue escrevo meus próprios textos (contos, crônicas, poemas, prosa poética) e também sobre os mais variados assuntos: literatura, cinema, viagens, gastronomia, amenidades, humanidades, música. Tudo que me toca. E que possa tocar os leitores.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Entre plissés e "o povo do abismo"

Quando eu era pequena não era tão fácil comprar roupas prontas. Todas as minhas roupas, até as de bebê, os lençoizinhos, fraldas, surgiram de uma máquina Anker de pedal. Sem dúvida, ela cantarolava enquanto costurava, sem saber o que eu seria, menina ou menino, por isso tantas roupinhas brancas e amarelas em meu enxoval.
Tendo crescido numa fazenda, com pais com dinheiro mas sem cultura ou estudo, ela era uma estilista ímpar, sem saber, então, tudo o que eu desenhava desde adolescente ela dominava nos moldes, carretilhas, passava pra um papel pardo e carbono azul sobre os tecidos, alinhavava, e construía aquela "arquitetura" na rústica Anker.
Muito jovem, me lembro que numa ladeira a um quarteirão de casa ela me pediu que fosse levar um tecido de seda para plissar, pra ela fazer um vestido de festa pra mim. Eu fui. Era uma família de orientais, muito pobre eu diria, o ambiente era desorganizado e sujo, insalubre mesmo. A máquina de plissar ficava no meio de um pequeno cômodo que servia de sala, quarto, cozinha e não sei mais o quê. O nariz das crianças escorria. Fazia frio e elas estavam de short e descalças. A TV ligada, em meio ao barulho do pai que plissava tecidos belíssimos de seda. Os cabelos dele havia muito não viam corte; a barba estava por fazer. Seu olhar era de extremo cansaço e apatia. Deixei com ele o tecido e saí. Meu estômago revirou. Em segundos nada mais tinha importância ou sentido: festa, vestido, seda, meu gosto por moda. Uma fissura profunda me dividiu. Foi esse meu primeiro contato com o povo do abismo: eu sairia perfeitamente vestida para uma festa, brotada de um cortiço que plissaria aquele vestido. Esse era o preço? Aquilo me causou constrangimento e a noção da divisão injusta do mundo: ir à festa, ter vestidos, "ter" enquanto aquele homem trabalharia por trocados...

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Star dust

Às vezes me lembro: era tão mais fácil e tão bom quando meu pai nos levava, eu e minhas amigas, aos bailes de formatura. Depois ele ia buscar às quatro da manhã. Íamos de vestido longo e flores no vestido, no pulso ou nos cabelos. E era só esperar os carinhas nos tirarem pra dançar, simples assim. Se fosse do agrado, e geralmente eu dava sorte, e era, dançávamos a noite toda. "Como você se chama" "Onde você mora" "Onde passa as férias" "Estuda o quê" "Vai fazer faculdade de quê?" "Vai sempre à praia" "Vamos nos encontrar no final de semana?" "Me dá seu telefone?"
Era simples, a vida era só aquele semáforo futuro, verde, brilhante e aberto para tudo acontecer. Nostálgica? Não, não estou. A realidade é que ver aquela Brasília branca chegando no friozinho da madrugada pra nos resgatar era uma sensação muito boa e de aconchego. Aquilo se chamava família. E eu podia ser só filha. Era tudo tão simples e acolhedor. Simples assim.

As porcelanas e o barro pesado e adaptável dos dias

Eu coleciono xícaras antigas. De todo tipo. Pequenas, muito simples, de porcelana chinesa, ou francesa, inglesa, daquelas de porcelana pesada de tomar café em cozinha de fazenda. Gosto também das canecas de ágata que acompanham bules brancos, e aqueles açucareiros grandes antigos que nem se usam mais. Também coleciono colherinhas de café. De todo tipo. Me agrada vê-las na gaveta da cozinha. O tlim-tlim que elas fazem quando vou pegar algo ali me remete ao "estar viva", às visitas, ao açucareiro que será posto sobre uma toalhinha de linho n bandeja de café. O bule de prata e cabo de madeira que levei anos pra comprar numa feira de antiguidades. (Este é um caso à parte. Eu vi ao visitar uma amiga que tinha sido operada e fazia francês comigo na Aliança. Eu cheguei e ela tinha uma governanta. O apartamento tinha dois andares; Isadora tinha 5 meses. Levei o bebê comigo. Coloquei Isadora sobre um cobertorzinho sobre um daqueles persas maravilhosos. Pois não é que a pequena percebeu o berço de ouro onde estava? Tomou a mamadeira sozinha com as mãozinhas enquanto eu conversava, deitadinha nas asas do Oriente. Depois tomou suco de beterraba, quietinha e ficou olhando meio vesguinha pra um brinquedinho que dei a ela pra se distrair. Mas eu, eu fiquei totalmente tomada por aquele bule de prata. Cabo de madeira. O brilho era tão intenso que eu podia ver meus cabelos longos e escuros nele, presos por uma faixa. Governanta? Jamais teria uma governanta mesmo se tivesse muito dinheiro. Mas aquele bule eu desejei um dia encontrar um parecido. Ele percorreu meus dias anos a fio. Há uns 6 anos, fui à feira da Benedito Calixto, e lá estava o bule me esperando, por uns R$ 30,00. Cheguei em casa, lavei, poli. Ficou lindo. E mesmo quando estou sozinha, me sirvo de café com ele. Um jeito de dizer: eu mereço ser bem servida.
Mas além de colheres e xícaras, eu coleciono presépios. Não é possível nascer numa família de portugueses e italianos e fugir de um presépio montado naquele papel que tem padronagem de pedra. A gruta do menino Jesus era feita nesse papel na casa da minha avó Hermínia... E eu acabei gostando de ver Jesus, Maria, José, os reis magos, as ovelhas, o anjo da Anunciação. Mesmo depois de me tornar cética, aquele cenário sempre me foi confortador, os animais e os anjos ao redor, todos celebrando aquela presença serena.
Um dia, sem sequer saber, meu amigo Osvaldo Leonardi Ceschin nos deu de presente um presépio feito de vidro numa base pedra, lindo... Também ganhei outros presépios, são muito bonitos.
Domingo, ganhei um presépio belíssimo feito de madeira, folhas de palmeira e outros materiais de reciclagem; é grande e a cobertura onde fica o menino Jesus é alta e grande o suficiente para abrigar bem os personagens. É o presépio mais original e natural que já tive. Madeira pura e telhado feito de palmeira. Tudo isso fez me lembrar do presépio napolitano do Museu de Arte Sacra. Levei Isadora para ver quando ela era ainda pré-adolescente. Fomos as duas ao museu e ficamos encantadas com as milhares de peças do presépio.
Fiquei pensando que nossa vida não é nada, nada além dessas pequenas coisas que ficam apenas na lembrança: o papel de pedra da gruta de Jesus do presépio meio mambembe de minha avó, do presépio de vidro que Osvaldo nos trouxe, do presépio grande de teto de palha que minha mãe me deu faz anos e que deixo montado aqui em casa no buffet da entrada, dos pequenos presépios sul-americanos que ganhei de presente, do presépio que vem dentro de uma caixinha que imita uma capela e tem portas, deste novo presépio que ganhei no domingo.
A vida e essas pequenas lembranças: xícaras na cristaleira, pequenas colheres na gaveta, presépios feitos de madeira, de vidro, de porcelana, de cerâmica, barro... O barro simples, por vezes pesado, mas sempre moldável e adaptável dos dias.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Faz toda a diferença -- esse meu aniversário

Fosse aos 20 ou aos 30. Ou mesmo aos 40. Nâo seria assim.
Mas agora é tudo diferente.
É o novo tempo de que falei esse dias em outro texto. Um tempo de espessamento, de viver querendo tempo, ambrosia, bala de coco, querendo coisas mais doces, menos pressa, mais entendimento. Se não tiver isso, busca-se em outro lugar, mesmo que o custo seja deixar para trás a construção de anos, o terreno fincado de raízes, as paredes grossas que custaram caro, a cor laranja que se buscou no Egito, o telhado ardósia que se trouxe da França.
Não. Nesse tempo, arde a esperança da languidez, da vontade de cruzar o Atlântico mais vezes, de falar mais línguas, de ler mais livros (no meu caso, por prazer, não por trabalho), de fazer aniversário e não trabalhar neste dia, de seguir o ritmo delicado do envelhecer dos pais e poder estar perto, participar fisicamente disso. De poder rever todos os filmes do neo-realismo. Todos os filmes. De poder fazer um curso de "Cultura japonesa e a influência das gueixas na sociedade do período X", sem se preocupar de que isso servirá em sua vida ou em seu currículo. Apenas fazer, por fazer. (Sim, gosto de gueixas. De cultura oriental, de períodos X no Japão.) Gostaria de ter ido mais ao Japão do que apenas a uma vez que fui. Gostaria de ter viajado mais (viajei muito, eu sei, mas gostaria de ter pontuado meu globo terrestre de alfinetes.) Sou louca, eu sei.
Mas não fosse minha loucura, seria o ser mais desinteressante da face da Terra... Minha loucura me faz escrever, escrever sobretudo poemas e crônicas. Isso me faz não enlouquecer de verdade. Sério!
Mas voltando ao tema deste texto. Fazer aniversário é algo banal, eu sei, mas as coisas, assim como as crônicas, que registram as coisas banais, têm algo de poesia. O leiteiro, que entregava de madrugava o leite em casa naquele vidro que tinha uma vaquinha azul; o padeiro, que vinha numa bicicleta, e deixava num papel pardo o pão quentinho na frente do número 1.050 da rua Joaquim Carlos, onde morei, no Alto do Pari... havia também o doceiro, que todos os dias, às 15h45, passava vendendo umas geleias coloridas passadas no açucar crista, e depois eu e minha mãe íamos à igreja Santa Rita de Cássia, acender uma velinha, pois filha de portugueses não foge dessa herança bendita de santos, Jesus morto de fraldas, odor de rosas, e igrejas frias no verão (uma delícia para católicos desacreditantes como eu...0.
Depois, a gente passava no açougue do seu Carlos, e eu subia e me apoiava no expositor de carnes, enquanto minha mãe fazia os pedidos... tão geladinho naquele calor horroroso... voltávamos de mãos dadas, eu e minha mãe, para eu não me perder dela. (Mas como me perder numa cidade que ainda era pequena e cheia de solidariedade?) Chegávamos, ela tirava os meus sapatos e os dela -- para não gastar, a gente tinha apenas aqueles e outro par para os finais de semana. Outros tempos, tempos de não consumismo. Ela aproveitava tudo. Até os retalhos de sobras de costura se transformavam em vestidos de princesa para mim... Era assim que a vida fluía naqueles tempos. A gente esperava o tempo, tudo a seu tempo, uma frase de que me lembro bem... As mãos de fada dela me transformavam em princesa naqueles vestidos que, meu pai, com seu salário magro de funcionário do Fórum não poderia jamais comprar... Eles faziam sucesso nas festinhas de aniversário.
Mas meu pai trazia... os livros... E foram eles que me trouxeram a chave do mundo. Das ideias. Das imagens.
Ao longo da minha vida eu pude ser muito de minha mãe e de meu pai. Ela gostava de moda, com seus gabaritos de moldes, linhas, agulhas, revistas de moldes e figurinos, colchetes, ganchos, tecidos, anáguas, retalhos, botões, tudo bem organizado nas gavetinhas de uma máquina Anker de pedal... Quando ela pedalava, costumava cantar enquanto costurava. Eram canções de sua juventude -- guarânias, boleros. Ela nos vestiu com retalhos comprados em saldões de muitas lojas de tecidos, e fazíamos sucesso com seus modelos até minha juventude na faculdade.
Nenhuma de minhas amigas acreditava que aquilo era feito num quarto de costura, aquelas peças que ela fazia pra mim, que hoje seriam consideradas "fashion". Mas era. Tudo feito ali, naquele quarto; agulhas, tecidos, moldes, carretéis, linha, botões, zíperes.
E ele, ele trazia os livros, livros de clássicos infantis e juvenis. Talvez ele pedisse ajuda ao balconista da Saraiva, em frente ao Fórum, pois ele mesmo, órfão de pai, não tivera os luxos que tínhamos: ler livros, passeios, viagens, o carinho que ele nos dispensava em excesso até. Pois foi daí que veio minha paixão, meu desejo absoluto pelos livros, tanto que meus livros de criança ainda estão guardados, e penso ainda em como vou doá-los. A ver...
Quase chegando a meu aniversário de 51 anos, percebo que "somos" "o que vivemos". Sou as linhas e os tecidos, os gabaritos e figurinos de minha mãe, e a sistemática, o apego às palavras, à gramática, à literatura, aos livros e ao cheiro dos livros de meu pai (me lembro, quando era pequena , que ele cheirava os livros, e percebia nele um prazer dionisíaco nisso... -- talvez por isso minha estante na sala repleta de algumas edições antigas e que cheiram forte; talvez, por minha mãe, o gosto por uma peça Channel que nunca tive ainda, mas um dia talvez terei -- minha filha, carinhosa, me trouxe um creme, achei tão confortante ela se lembrar disso.
Pois nem aos 30, nem aos 40. Aos quase 51, estou trabalhando na véspera de meu aniversário. Ontem pedi a filha que não ficasse chateada que neguei o pedido de ir jantar com ela no japonês -- tinha trabalho para entregar. Hoje pedi ao namorado que não fique chateado -- pedi a ele que não venha, não percorra os 50 quilômetros que nos separa para comemorarmos o pré-aniversário... ele não se chateou (me pareceu...); estou aqui entre escrever um texto de aniversário de 51 e terminar um trabalho.
Fosse aos 30, aos 40, estaria angustiada. Aos 51, sabemos que a vida nos reserva muitas coisas.
Abri um cabernet sauvignon e estou comemorando sozinha e acompanhada de tanta gente, e a vida segue em goles dionisíacos. Coloquei a foto da minha filha Isadora de quando ela tinha 5 meses a meu lado, aqui no escritório; dos meus pais também, e do meu namorado; por quem sou apaixonada, da época em que estávamos overapaixonados.
Esperaremos todos até amanhã para comemorar. Este é o grande ganho dos 51: nós sabemos que temos tempo. E pacieência. E tolerância.
Isso faz toda a diferença...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sisters e a felicidade em Mannhatan

Sisters...

Era uma neve brutal lá fora, e ventava tanto que o cachecol tinha que cobrir os lábios para que eles não rachassem, e tinha que segurar forte o tal e a mão da filha, pois eu tinha muito medo de perder pelas ruas da Broadway ambos. Uma luta contra neve, vento, cachecol, frio. Isadora tinha dificuldade de segurar na minha mão por causa de uma luva grossa que eu tinha comprado pra ela na banca de um camelô, porque nem deu tempo de chegar a uma loja, tamanho o frio daquele ano. Fiquei de comprar uma mais bonita e melhor, ela preferiu ficar com aquela -- sempre uma filha econômica; me disse que só iria usar aquela vez, pra que precisava de uma luva melhor? Ela pedia: "Mãe: vamos, tô com frio..." Mas a Grande Maçã, mesmo com neve, é um convite contínuo, e ainda que uma escorpiana caseiríssima, apesar de querer voltar pro calor do quarto do nosso hotel meia-boca (era o que cabia em nosso curtíssimo orçamento daqueles tempos bicudos), Isadora oscilava entre isso e brincar com as camadas e camadas de neve do Central Park e das ruas de Mannhattan, ou, simplesmente, ansiosa, esperar a neve cair. É incrível. Vai ficando mais frio, mais frio, muito frio. De repente, aquele milagre da natureza em forma de flocos de algodão muito brancos preenche o céu, as ruas, as avenidas, o verde que ainda resiste, os telhados... as pessoas, mesmo as mais apressadas, fazem uma pausa em seu trajeto para ver esse fenômeno da natureza. Tudo fica imaculadamente branco. (Apesar do dayafter sujérrimo e enlameado.) Mas Isadora estava mesmo cansada de um dia de escorregar demais nas ruas enlameadas de pós-neve, de meu aperto duro na sua mão
pra não perdê-la nas margens do Times Square, enfim: muita roupa, luvas, botas, casacos... E, claro, cansadas psicologicamente do preconceito cotidiano nas mínimas coisas contra essas duas morenas que nem parecem italianas, nem parecem portuguesas, nem parecem brasileiras, nem parecem iranianas -- somos uma mistura que ninguém define. Mouras, eu diria; e isso, naquele tempo anterior à tragédia das Torres Gêmeas, era um problema na chegada, no durante e na saída... Todos eram grosseiros conosco. Afinal, não éramos loiras nem fúteis nem superficiais. Nem éramos arrogantes, como se deve ser com pessoas desse naipe, para que sejamos respeitados num país pronto para o preconceito com 'xicanos', árabes, negros e afins. Nesse "mood" de cansaços, caminhando para ir embora num fim de tarde escuro e garoento, uma luzinha brilhou "tlintlim"... a loja estava fechando.. Era um minilivro, o título: "Sisters". Pedi ao moço com a barra de ferro na mão, que descia a porta: "Please, let buy just this minibook for my sister that is in Brazil, she'd love it..." Eu na verdade estava esperando um belo e redondo "Go to hell", tamanha tinha sido a experiência de grosserias na Big Apple até aquele momento... Estava calejada. Sou supertímida, e não arrisco perguntas quando acho que vou levar um não, e arrisquei sem querer, saiu assim, do nada. Pois aquele moço de seus 40 subiu a porta de ferro sorrindo: "I love Brazil and Brazilians, nice people... you'll have your minibook for your sister!" Não acreditando naquele minimilagre de Natal (pois sempre que perguntavam e eu dizia ser brasileira o tratamento era ainda pior na NYC daquela época, avessa completamente a brasileiros). Pois comprei meu minilivro PARA MINHA "Sis", e, pasmem, foi o único desconto que tive em toda aquela viagem... (exceto no outlet, mas este não vale, porque outlets já são por natureza lojas de descontos!) Isadora ficou num cantinho olhando as quinquilharias da loja e seu rosto, mais vermelhinho e contente... Na saída, ele me deu a mão e perguntou:"Quer que eu faça uma foto sua e de sua filha? Aqui é um lugar bom pra se fazer uma foto..." Estávamos em frente do Radio City Music Hall... Eu sequer tinha me dado conta. Como eu disse, sou uma extrovertida-tímida, não costumo incomodar ninguém pra pedir pra tirar fotos e essas coisas. Fomos clicadas em meio a flocos de neve que caíam, com o néon do Radio City ao fundo. Um sorriso feliz, descansado, como bebês recém-saídos do colo da mãe. Pois esta foto está na minha estante. Aquele lojista de Mannhatan não tem ideia: ele fez o registro da única foto que temos juntas daquela viagem, já que aqueles não eram tempos de i-phones e celulares, em que nos fotogramos tão facilmente sem ajuda de ninguém... Nossa foto de costas para o Radio City Music Hall mostra uma morna felicidade. Mostra que em Manhattan não há só frio e neve no inverno. Há um calor que não se pode explicar com palavras. Mas está guardado naquela foto e no minilivro "Sisters".

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Telegrama

Faz frio. A cidade é inóspita, um dragão a nos expelir de sua boca fumegante: legiões são cuspidas das portas dos metrôs e dos ônibus diariamente aos milhões, cozinham lentamente no congestionamento, mal dormem e já acordam para seu destino que não se sabe para quê.
Viver é para os fortes, no entanto, a vida pode surpreender.
Manter nosso paraíso, essa ilhota de calma e sensibilidade, não é tarefa fácil. Um território sagrado. Uns chamariam isso de riqueza. Eu chamo de esperança.
Quando tudo parece perdido, é esse pedacinho sagrado que aponta caminhos e veredas.
É nesse território que se tecem diariamente nossos sonhos e nossas esperanças.

Pois hoje é sexta-feira. De uma semana dura, de um mês difícil. Mas eu disse, meus caros: a vida surpreende. E é nessa oração de três palavras que moram as alegrias.
Tomo o metrô lotado para voltar do trabalho. Estou doente e cansada. Olho a meu redor e não posso deixar de pensar: a humanidade perde seus melhores anos em cidades intransitáveis, em metrôs lotados, saindo tarde do trabalho, em vidas que não são suas.
Estou hoje num sentimental mood, como diria Duke Ellington em sua belíssima canção. Então, bem longe de meu paraíso perdido, luto para entrar no ônibus que me levará para casa. Meu corpo parece anestesiado por essa vida que não é minha. "Eu quero mais..."
Desço no ponto e caminho três quadras, apressada entre semáforos que me pegam desprevenida. Passo diante de dois bares lotados de gente sorridente com copos na calçada, ali eles afogam sua desilusão. Meus passos são lentos. Já é tarde. Quero chegar em casa, terminar um trabalho que estou devendo e está atrasado, e dormir, sem grandes esperanças de algo melhor para esta sexta-feira.
Vou chegando diante da gaiola onde moro, isso que chamam de condomínio -- gaiolas, repletas de belos pássaros empoleirados, que não cantam. Passo a mão e desajeito meu cabelo, um gesto-tique que tenho quando algo não vai bem dentro de mim. Meu caminho está traçado nesta sexta: nada de novo no front.
Mas a felicidade... ah a felicidade, meus caros. Ela não avisa quando chega, nem quando vai. E nossa busca incessante nesta vida é tentar estar no lugar certo, na hora certa, com o pretinho básico certo, para divisar essa senhora que nos presenteia com sua visita.
Cruzo o portão de entrada e subo a rampa, meu corpo cansado não quer obedecer meus sinais. Vai devagar, meio se arrastando em direção ao elevador. Antes que eu toque o botão, o porteiro me chama: "Sandra...." E é aí, nesse exato momento, que meu território sagrado me dá o sinal.
Giro e volto, ele tem algo nas mãos. Ele me diz: "correspondência pra vc." Olho em suas mãos. É um telegrama. Penso: "Ainda existem telegramas..." Meu coração dá um pulinho tímido. Como eu, está louco pra que a vida nos surpreenda. Ponho os óculos no trajeto do elevador que me leva ao 15o andar. Abro o envelope-telegrama, leio três palavras mágicas. E então meu paraíso desperta e minha sexta toma outro rumo.
O rapaz a meu lado pergunta, eu ainda perdida naquelas três palavras, se vou descer.
Eu respondo que não. Ele não sabe, e sequer está preocupado com meu pequeno destino, mas hoje eu tenho um encontro. Com a tal felicidade.

domingo, 21 de abril de 2013

Paradoxo



É estranho. mas justamente quando tenho que alinhavar fragmentos do meu coração para mantê-lo inteiro, alguém abre um envelope, lê o alinhavo das minhas palavras num design de origami. E, por fim, me conhece. Por dentro.


Imagem disponível em:



segunda-feira, 4 de março de 2013

Retrato

O travo amargo dos dias arrasta o melhor dos sabores do amor e das delícias. A maior das paixões. O amor mais doce e mais sutil. Mesmo que não se queira, o chamado à vida é cruel, e o fruto doce do prazer vai sendo relegado pouco a pouco. Um processo subliminar. Como numa centrífuga, estilhaços de nós são arrastados para as bordas pelas demandas do cotidiano, somos separados à nossa revelia. Vez por outra apenas nos encontramos, para abruptamente ser arrastados de novo, sem aviso prévio. Mas um dia, uma manhã, uma manhã de sol, em que ele, insolente, invade quebrando o bloqueio da cortina, você verá a foto dela no criado-mudo, aquela foto que você fez naquele dia em que estavam tão apaixonados naquela viagem... Naquela viagem em que descobriram o prazer, o amor, que descobriram que se conheciam antes mesmo de se conhecerem, que estavam na mesma sessão proibida de cinema anos antes de imaginarem a existência um do outro, que frequentaram os mesmos cinemas e cineclubes, a mesma livraria anos a fio talvez ficando de costas um para o outro e jamais se esbarrando, que compraram o mesmo cartão erótico e jamais deram de presente a ninguém. Nesse dia, você pedirá para ela ficar. Para sempre.

domingo, 3 de março de 2013

Homem de verdade não bate em mulher...

Cauã Reymond faz a nova campanha de combate à violência contra as mulheres http://migre.me/drJgF



Não só não bate. Não grita, não ofende, não humilha em público, para que você, constrangida, se cale. Não é preciso apenas violência física para que você sofra violência. Lembre-se disso!...

"Homem de Verdade não bate em Mulher" -- não bate, não grita, não constrange, não...

Maria da Penha, a própria, na foto da campanha. Homem que é homem pede, não vocifera. Homem que é homem conversa, não agride. Homem que é homem usa as palavras, não as mãos ou armas contra uma mulher. Quando um homem agride uma mulher, ela precisa de ajuda, e ele também: de ajuda psiquiátrica, terapêutica.



Maria da Penha gravando a campanha do Banco Mundial "Homem de Verdade não bate em Mulher". Maria da Penha será a única mulher a participar da campanha ao lado de Cauã Raymond, Flávio Canto, Anderson Silva, entre outros

Trocando o insulto pelo amor



Ando vendo este cartaz "Mais amor por favor" espalhado pela cidade, e tenho adorado, e parado diante, contemplado, e alguns apressados buzinam atrás de mim... Eles, sem dúvida, não leram o cartaz, tão estriquinados estão dos apressamentos sem sentido e urgências que não sabemos pra que desta cidade... Parar para contemplar é probido numa metrópole, vocês já perceberam... Você se torna um intruso no caminho demarcado das passadas apressadas que o ritmo do capital impõe, numa linha demarcada um giz imaginário, da qual vc não pode sair, com o risco de ser atirado fora do sistema. Vocês já assistiram a "Koyaanisqatsi: Life Out of Balance", imagino, filme de 1982, direção deGodfrey Reggio, música de Phillip Glass, obra-prima que mostra esse ritmo alucinante que nos coopta sem que percebamos num ritmo que não é nosso, e nos arrasta em algo que nos assemelha à máquina.
Já fui xingada até no bucólico jardim-calçadão de Santos, tão cultuado até no livro do Guinnes. Era um maluco-corredor. Eu caminhava no calçadão, conversando sossegadamente com minha filha há uns 4 anos, e nós demos uma diminuída para atravessar. Ele não queria diminuir o ritmo da sua corrida provavelmente programada por algum personal em alguma planilha de excel, mas eu e minha filha paramos a caminhada para isso, para com bom senso atravessar a rua. Ele, impaciente, falou para mim sem parar de correr e sem olhar para trás: "sai da frente, 'tia'"... num tom agressivo, cruel, jocoso até. E seguiu seu cronograma sem olhar para trás. Naquele momento eu estava muito fragilizada, e vivia os finalmente de uma depressão. Vivia fechada numa concha. As palavras dele demoraram a me atingir, a chegar aos ouvidos, ao cérebro. Minha filha, se condoeu por mim, e falou: que babaca! Eu não consegui dizer nada por alguns segundos, pois o tempo de quem passa por algum tipo de depressão é outro, tudo parece o som de um concha que se coloca no ouvido. Quando meu tempo chegou eu disse para minha filha: "Eu poderia ter dito a ele: senhor metido a jovem, vai tomar no cu..." Minha filha esboçou algo que não era riso nem risada. Ficou me olhando, porque sabia que dizer este tipo de palavrão é expressar minha mais alta indignação, mesmo estando deprimida. Demos um meio sorriso uma para a outra, e seguimos, calmamente nossa conversa, agora retomando por que as pessoas andam tão agressivas umas com as outras. Ali, em tese, é um lugar para as pessoas interagirem -- há redes, jogos, bolas, petecas, monitores, personais, professores -- para haver inclusão. Quando um babaca desse, exatamente da minha idade, urra "sai da frente, tia", quando o normal é vc diminuir seu ritmo, pois o calçadão não é seu, é democrático, é de todos, que têm vários ritmos -- uns caminham, uns de bike, uns de cadeira de rodas, outros correm como Forrest Gump --, há de se pensar o mundo.
Enquanto eu lia o cartaz "Mais amor por favor", que tenho visto coalhado nos muros de São Paulo desde ano passado, e já falei dele em meu blogue inclusive em 2012, e buzinaram atrás de mim, me lembrei desse episódio. Se fosse hoje, esqueceria aquele péssimo palavrão que disse, atrasado claro -- eu sei --, e que não combina, não resolve, só gera mais agressividade no mundo, e eu diria ao coroa com desejos de fonte de eterna juventude: "Ei, brother, mais amor, por favor!..."

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Poemeto luxúria de chegada

Riso vertical

A loba entrega
em bandeja
de ouro
seu melhor
a quem
chegou
derradeiro.

(de
Ray-Ban,
quem
ri por
último
ri
melhor.)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Trilogia maldita


"O homem só pode pretender felicidade
servindo-se de todos os caprichos da imaginação."
Marquês de Sade, in Os 120 dias de Sodoma



Rota 99


A Orgia e a Morte são duas jovens graciosas,
Fartas de beijos e de frêmito incontido, (...)
Baudelaire, "As duas boas irmãs", in As flores do mal


Rota 99 entrou com tudo num fim de tarde - águas de março. Um calor úmido e insuportável fazia crescer o tiquetaque do desejo rumo noroeste. Cristais tilintavam, paredes estremeciam e raios atingiam em cheio a terra molhada.
Tambores soavam numa selva desconhecida, anunciando. A pedra, o poço, o transe, uma civilização perdida; sacrifício humano jorrando sangue sagrado e profano.
Sedução, e a razão, entorpecida, o corpo murmura: sim, sim, sim.
Num tempo irreversível. Controlado, personalizado, estudado, ao alcance da mão, medo da surpresa e da dor. Medo de se achar fora do papel milimetrado, e surpreender-se: tigre, em círculos, acuando a presa, devorando-a, despedaçando-a.
Perder o controle, profanar o obelisco quente e latejante e tornar-se vítima sagrada - toda à mostra, os músculos em prontidão, a carne viva, fluidos se interpenetrando, escambos na paixão instantânea.
Insinuar, burlar, apostar na surpresa e no desconhecido. Um tempo sem volta. Mas ali, um rocambole negro e futuro, desenrolando-se rapidamente, alta velocidade, rota 99.
Os faróis cegam e a vontade acelerada do fogo e do asfalto: febre superando medo, conduzindo rápido ao destino: rota 99.
"Let's get lost."
Ponto de encontro sinalizando, o ápice viria, era certo. O rosto mediterrâneo, os olhos sorrindo, assentindo. Ao tocar o perfume, pensei: vou me perder. As horas futuras, intermináveis, selaram-se ali, na escuridão da rota 99. Vênus descontrolando as marés. O tambor dentro de mim - tuntum, tuntum. Esta noite ou nunca.
O selo supremo. Nada mais importa. A seta indica um porto feliz. Os tambores rugindo, o tigre antecipando o desencarne. Sacrifício. O corpo estanca e escorrega fundo. Peço, ensandecida, e um vulcão agiliza a poção sagrada do amor. Uma, duas, outras vezes. Cansaço, alívio e prazer percorrem os sentidos.
A morte instantânea anuncia: renovado, o corpo em sacrifício percorrerá o caminho de volta na rota 99.
Uma civilização se resgata. O tigre desliza saciado. Os tambores estão silenciosos. Nenhum som na floresta.
Nem é preciso perdão. O melhor ainda virá.



Sob o domínio de Sade


(...) A sepultura e a alcova, em blasfêmias fecundas,
Nos dão de quando em vez, como boas irmãs,
Os prazeres do horror e as carícias malsãs.(...)
Charles Baudelaire, "As duas boas irmãs", in As flores do mal


Há urgência neste apelo.
Uma dor ecoa nesse chamado.
Uma ordem requere sua chegada.
Hermes, apresse sua porção alada.
Preparo-me, impaciente, diante de um toucador imaginário.
Nove minutos e noventa passos distanciam-nos da consumação.
Determino data, hora, local para que se realize o meu capricho. Minha ânsia atroz.
Descomponho o outro, atiço-lhe o orgulho como se remexe uma fogueira. Quero que lhe doam essas ínfimas brasas. A pele marcada por pequenos sinais, souvenirs do sinistro prazer.
Ordeno que venha rápido. O sofrimento e as agruras da minha pressa e determinação.
Demarco todos os meus desejos e caprichos na ponta de um salto agudo imaginário, que perfura dolorosamente o seu receio, a fazer da fera bicho manso e dócil. Medo de cometer um erro sequer e perder-se na minha lâmina pensante. Impossível atravessar o roteiro traçado de viés. A mera miragem de perder a presa no momento de fúria faz da sua vontade músculos e movimento a reagir.
Imprimo-lhe a dor urgente do meu estímulo, a requerer, iminente, que algo atravesse meus sentidos, contundente, preciso, doloroso, brevíssimo. Perfurar, pungir, mortificar até que eu desfaleça. O prazer inoculado nessa transgressão.
O outro a exalar um medo animal, corre, selvagem. O odor alquímico a lhe atrair a esse domínio feminino. Na desabalada, o reflexo ardente de um cristal atinge-lhe em cheio o olhar, lembrando a ampulheta no aparador a escoar seus últimos grãos de areia. Mais um minuto apenas. O desespero impinge ao corpo, então, as torturas mais cruéis: atravessa espaços sinistros e inóspitos, farpas perfuram-lhe o corpo. A gravidade, dolorosa, a sugar-lhe um rio vermelho. Consigo carrega nada além do poder que, ao fim, nos libertará.
Pressinto sua chegada. O calor que sobe em vapores etílicos entorpece a determinação de lhe negar três vezes.
Uma voz poderosa brada que se abram as portas deste reino. A ponte levadiça desiste de oferecer resistência. Cavalariços abrem caminho a ele que chega. Cavalos, indomáveis, exalam algo indizível. As mulheres calam-se à sua passagem.
Inserido na extremidade do destino. Aplico um punhal fino na sua vontade, retalho as pretensões de seu orgulho masculino, rasgo-lhe os códigos preestabelecidos. Em gotas ferventes um ungüento poderoso a arrancar-lhe a pele. Enceno um escárnio de sua indefesa condição. Deusa absoluta desse capítulo da história humana.
Premeditada, descarno por um instante a vendeta feminina. E, paradoxo, entrego-me aos braços ferozes e tirânicos. Esfolada viva, permito que lâminas finíssimas escalpem e dilacerem o que há em mim. Um prazer sórdido apodera-se de meus nervos expostos. E, do alto do meu orgulho, profetizo um mundo maldito e cruel.
E no ápice dessa tortura, algo abocanha o núcleo do amor. O poder do elixir que perpetua a espécie expande-se num silêncio bruto.
Algo congela-se num tempo histórico.
Um mundo inteiro interrompe seu curso.
Em repouso absoluto, corpos recuperam essências.
Hermes, enfim, cumpriu o prometido.


A queda do Segundo Templo


Ó monstros, ó vestais, ó mártires sombrias,
Espíritos nos quais o real sucumbe aos mitos, (...)
Baudelaire, "Mulheres malditas", in As flores do mal

Um muro sagrado impõe-se. Pedras gigantescas encaixam-se e reencaixam-se, coesas e indissolúveis; nem um fio perpassa por essa fortaleza que recobre e defende como uma cidadela.
Quando por ventura ameaçados por forças externas, os gigantes de pedra colocam-se, alertas, armando-se contra o possível inimigo. Como soldados em prontidão, encenam um escudo poderoso.
Por vezes, não avisto Tito aproximar-se, nem percebo seus exércitos avizinharem-se da minha fortaleza. A terra então claudica, como se um terremoto chegasse trazido no som longínquo e aterrorizante da marcha dos soldados, às centenas, aos milhares. Pés guerreiros ganham passo a passo o chão, o retinir das peças e das lâminas corta o ar como um grande machado ritmado. O som ensurdecedor da guerra se aproxima. Estremeço ao sentir: serei vencida.
Ouço - mas a ilusão me cega - os gritos bravios dos homens em fúria. Ouço à distância Tito ordenar, gritar, comandar. Um objetivo único: a destruição completa dessas muralhas. Mas, sádico, manterá intacto um único trecho, para que se reconheça por meio dessa visão seu poder feroz. A profanação desse território sagrado, sua absoluta rendição.
A terra treme mais forte sob o impacto da marcha determinada e coordenada do comboio humano. Mas a ilusão desmedida de que nada destruirá essa proteção calcária. Essa estátua circular que rodeia, voraz, como uróboru. Cada vez mais próximos os gritos e a fúria do exército, que sinto, em pouco, me dizimará. Por fim, a voz de Tito incita o ataque.
A ilusão escoa por entre as fendas da terra craquelada. Inerte, presencio cenas enlouquecidas, homens buscam, kamizaze, a vitória a todo custo, muitos deles pisoteados, outros a destruir partes dessa morada, outros feridos entre os escombros, outros reverberam a força de sua predestinação. Adentram com fúria e sede de conquista o terreno delicado e róseo, mucosa exposta como ferida recente. Não há cena de mais vigor e poder do que essa massa obstinada a caminho da vitória.
Sem que eu perceba, Tito impõe-se, triunfante, diante de mim. Um esgar sela o que ele sabe, o que eu sei. As fissuras por fim aguardam seu breve destino.
Eis que o estrangeiro se aproxima. Um som metálico antecipa: aço puro adentrará o meu corpo, eu sei. Uma gota fria corre, rápida, por meu rosto. Tito conduzirá esse momento.
Tento não pensar no que virá, submeter-me a quem vence. Em meus últimos instantes vejo o que me acompanhará a lembrança: uma fronte ainda quente lateja nas mãos de Tito, os soldados urram a sua glória, lanças e espadas repicam sobre os escudos, o som final dessa batalha. Porções de terra são atiradas sobre mim. Em camadas, desapareço pouco a pouco. Tito deleita-se, algolagnia de minha condição. E, como derradeira imagem para meus olhos, o muro das lamentações surge. Inevitável, titã que se impõe, fendido, semidestruído, testemunha para sempre da minha capitulação.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Ao meu pai

Uma homenagem a meu pai, seu Heitor Brazil, que com sua Lupa, recortes de jornal, fotos antigas, documentos antigos, notas fiscais dos anos 50 que contêm selos antiquíssimos, mapas e atlas, vai compondo o mosaico da sua memória, construindo a seu modo aquilo que nós perdemos dia a dia. (E não apenas os portadores de Alzheimer como ele.)
Ele não tem mais espaço, então destina a mim uma parte de seu museu... E mesmo que eu não tenha espaço aqui no meu apartamento, e minha mãe diga a ele que eu não quero estas coisas -- o que não é verdade, porque sou como ele, gosto de guardar relíquias... --, eu faço questão de trazer, por vários motivos: quero manter estas pequenas coisas que são importantes pra ele. A nota fiscal da mobília de seu casamento tem um belo selo e carimbo no verso, e ele me pediu pra guardar aqui em casa e não jogar fora... (Claro que não!) É feito de um papel grosso, e tinta de impressão gráfica azul forte; o selo, belíssimo! O ano? 1961. Quando perguntei por que ele destinava a mim e não a outra pessoa suas relíquias, ele me respondeu: "porque sei que você gosta dessas antiguidades, vai guardar e isso vai se manter no tempo. Não vai jogar fora".
Seu Heitor é um tipo discreto. Quer guardar um segredo? Conte pra ele. Ele levará para o túmulo, e nem sob tortura arrancarão dele. Quer manter um retrato de família bem guardado? Entregue em suas mãos. Ele vai catalogar, pôr numa pasta, fichar, e lhe infernizar até descobrir data, estúdio, nomes dos personagens, fazer uma cópia (claro! Ele faz cópia de tudo!) etc. Outra coisa: não deixará ninguém ter acesso à privacidade de sua peça. Outra característica, que herdei dele. Resultado: quando você decidir tê-lo de volta, terá uma peça "de museu", entregue numa pasta de cartolina verde-água amarrada com fita preta, que era ainda da época em que ele trabalhou no Fórum. Tem um cheirinho de infância pra mim. Dentro, todas as anotações para qualquer museólogo não botar defeito! Resultado: terá valido a infernização inicial do seu Heitor!
Para o meu pai, com todo carinho deste mundo, mais o carinho que ele destinou a mim e a meus irmãos e a suas duas netas, que ele ama, de paixão, Anabela e Isadora, para quem ainda faz as mesmas brincadeiras que fazia para nós -- brincar de cavalinho, por exemplo, e de esconde-esconde. Pai, nós amamos você dobrado e triplicado. Receba o texto da Lupa -- da postagem anterior. Ele é seu. Este é o pouco que posso lhe retribuir do muito que você me deu e me ensinou para que eu seguisse em minha vida.
A Lupa é sua, os mapas são seus, mas a alegria é nossa de tê-lo conosco.

Fora da lei

Ele apareceu oferecendo estrelas, em troca ela tinha que participar de uma parada aí. Vênus das ruas, aceitou. A Fortuna iluminou o babado forte. Contavam o metal, e o jeans cintura baixa dela o fez perder a contagem de 9 pra 12, e os olhos do fora da lei eram de um verde obscuro pontuado de ouro, ela parou nessa chapa quente. Paixão perigosa, louca, desadestrada. Fugiram pra Hollywood.


[O bacana é ler e ouvir, ao mesmo tempo, Fora da lei - Ed Motta. Acesse o Youtube: http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=BE7NMuUuk9Y#t=272s ]

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A lupa (repostagem necessária)

Arrumando minha bancada do escritório -- uma bagunça sem-fim --, encontrei (tim!) a lupa que meu pai me deu de presente!
Ele adora lupas. E papel. Papel velho. Recortes. Jornais. Fotos antigas. Pastas de papel verde com uma fita preta de amarrar, bem antigas que trazia do Fórum... Gosta de ver mapas, seguir cursos de rios, encontrar lugares que visitou com detalhes em velhos atlas que temos na casa de minha mãe. Eles estão desatualizados, mas ele não descansa. Quando vou lá, ele fala o nome de algum medicamento que está tomando e diz assim:
-- Minha filha, esse medicamento é feito em Goiás... eu já fui lá com a Mãe! Uma vez pegamos o carro e fizemos assim...
E aí vai discorrendo e vai pegar lá o velho mapa para mostrar o caminho que fez pela estrada, e o rio que havia e que mudou de nome. E a ponte que eles cruzaram. E claro. Ele traz... "A Lupa". Assim. Com letra maiúscula. Entre aspas. Uma entidade. A companheira de um historiador que ele, menino órfão de pai, não pôde ser, pois tinha que trabalhar desde menino pra sustentar a mãe e os irmãos.
Faculdade? Ele só conseguiu fazer depois dos 30 anos, quando minha mãe fez grandes sacrifícios e malabarismos com o salário dele e nós éramos pequenos. Mas detalhista, preciso nas coisas, cioso, perfeccionista, caprichoso nas letras e no português e na boa gramática, ao menos pôde ser guardião da história dos processos do Fórum por anos a fio. Escrevia e reescrevia aqueles textos para os juízes e desembargadores, sem descanso. Sempre achava que estava esquecendo algo, ou que tinha algo muito errado, algum engano grave que estava cometendo... (parece alguém que conheço, meu deus!... alguém que conheço bem...) Até que um dia um juiz, quando meu pai foi lhe mostrar o texto final, disse numa ironia fina:
-- Seu Heitor, o senhor já fez o meu trabalho, nem preciso rever e dar minha conclusão ao processo, o senhor já o fez por mim... pode passar a limpo.
Pois quando ele pega esses mapas lá em casa ele enlouquece a gente... [com a tal da "Lupa"...] porque em geral estamos conversando sobre outros assuntos, querendo saber outras coisas, o assunto já está em outro ponto, mas ele empacou com... a tal Lupa... a Entidade... no tal mapa, que ele quer mostrar, da tal viagem a Goiás, que ele fez com "a Mãe", à casa da tia Fulana, em 2002... É muito engraçado. Então, minha filha Isadora, que é apaixonada pelo avô, pega no braço dele e segue as trilhas do mapa e vai perguntando:
-- Vô, o que é aqui? Onde você foi? Que rio é aquele?
E ele sossega. Diz detalhes, nmeia cidades vizinhas, conta como foi, e de repente, ele entra no seu mundo de novo...

Mas enfim eu achei minha lupa que estava perdida. A lupa que meu pai me deu, na certa, porque ele sabe que eu, parecida demais com ele, a quem ele destina recortes de revista, de fotos da São Paulo antiga, de fazendas de café, de cenas de história antiga, serei a herdeira de seu cacoetes. [Que já sou...] Tipo, somos ciosos ao extremo de nossa privacidade, falamos baixo das coisas podres da família e pedimos sigilo a quem contamos, detestamos certos comportamentos, somos travados emocionalmente, tímidos no contato físico com as pessoas, mas extrovertidos em determinados momentos em festas e gostamos de dançar, de sair, viajar, adoramos comer, tomar vinho, e um bom bacalhau. Ou seja: eu e ele somos uma lambança, uma mistura de italianos com portugueses típicos. A diferença é que ele fala baixo, é ponderado, não chora. Eu descabelo, grito quando é necessário e choro quando a coisa está preta.
Pois agora que perdi meu pôr de sol devido a uma grande edificação que cesce dinate minha janela do escritório, que não tenho mais a alegria ensolarada em meus finais de tarde, tentarei com minha lupa procurar em mapas um lugar novo pra mim -- como meu pai, loucamnete, seguirei cursos de rios e estradas, cidades e vilarejos --, onde haja sol, por de sol, e que eu possa ter de novo finais de tarde ensolarados e cheios de luz. Uma mulher solar, como diria Domingos de OLiveira, o cineasta do cinema novo.
Espero que a lupa encontrada no meio da minha bagunça seja um sinal de que há esperança. Enfim.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Se o cinema falasse


Marlon Brando e Viven Leigh em Uma rua chamada pecado, direção de Elia Kazan, 1951, que no Brasil ficou conhecido como Um bonde chamado desejo.

Se o cinema falasse


Marlon Brando em Sindicato de ladrões, 1954, direção de Elia Kazan, filme que deu o primeiro Oscar a Brando.

Se o cinema falasse


Os atores Paul Newman e Elizabeth Taylor no filme Gata em teto de zinco quente, 1958, direção de Richard Brooks.

"A fábrica do poema"

O poeta norte-americano e.e. cummings

na estrênua brevidade
Vida:
realejos e abril
treva, amigos

eu me lanço rindo.
Nas tintas fio-de-cabelo
da aurora amarela,
no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando
deslizo. Eu
na grande viagem escarlate
nado, dizendomente;

(Você sabe?) o
sim, mundo
é provavelmente feito
de rosas & alô:
(de atélogos e cinzas)

(Tradução de Augusto de Campos)

Se o cinema falasse


A atriz Jean Seberg

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pra rasgar a fantasia


Quando eu era pequena, meus pais não "marcavam toca". Fim de semana era dia de passear, sair, mesmo sem carro e as benesses do dinheiro extra. Sem carro íamos do bairro do Pari ao zoológico, que ficava na distante e difícil de chegar zona sul da cidade. Mas íamos. Também circulávamos por outros lugares que eram de difícil acesso pra quem não tinha carro, mas íamos. Passeios. Sempre. Nada de ficar fechado em casa, no quintal. Muito menos apartamento, como as crianças ficam enclausuradas hoje. E me lembro que no Carnaval era o tempo de me levarem, ao menos um dia ou dois, ao clube, pra pegar uma matinê, fosse fantasiada ou não. Lembro que minha mãe comprava uma "bisnaga", que eu enchia de água e apertava e dali saía água num jato finíssimo que direcionávamos nos carros na rua. Meu pai trazia serpentina e confete, e eu ficava do portão atirando nas pessoas e carros que passavam. As pessoas estavam num clima carnavalesco, e não ficavam de cara feia. Atiravam de volta ou água de bisnaga ou serpentina e confete também. Uma "guerra" santa, uma "guerra" de alegria. Sem feridos, sem maldade, só brincadeira e alegria.
Me lembro especialmente de um dia. Eu devia ser muito criança. Eles me levaram numa matinê do Sport Clube Corinthians, e eu fique envergonhada de ver tantas crianças desconhecidas dançando ao som das marchinhas de carnaval. Fiquei parada, embatucada na beira do salão. Meu pai deu um empurrãozinho, e eu olhei pra cima, na arquibancada. Minha mãe estava sentada, vendo de lá de cima meu não movimento, apreensiva, na certa pensando: "ela fala pelos cotovelos, o que ta acontecendo?". Meu pai de um leve empurrãozinho outra vez. Nada. Eu parecia uma estátua rígida de timidez e embaraço. Justo eu, que parecia um grilo-falante, que cantava em festas e dançava a pedidos em ocasiões sociais... Meu pai então me deu a mão e me levou lá pro meio do salão, ensaiou uns passos comigo de marcha de carnaval, me girou um pouquinho, e logo eu estava menos tensa. Aí demos a famosa volta pelo salão, eu, mão agarrada na dele, e olhos fixos na minha mãe lá em cima na arquibancada. Voltando ao lugar de início, ele encontrou uma roda de crianças, e começou a me empurrar para lá. Deu a mão para uma criança a sua esquerda e fez eu dar uma mão para outra a minha direita. Em segudos, estávamos girando para a direita e depois para a esquerda: "Oh jardineira por que está tão triste, mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros, e depois morreu..."
Quando dei por conta, meu pai já havia me liberado de seus cuidados, estava lá em cima com minha mãe. Ambos de olho em mim, e eu brincando e pulando com as crianças lá embaixo ao som de uma nova marchinha: "Mamãe eu quero, mamãe eu quero..." E assim foi aquela tarde, quando eu devia ter uns 4 anos. Que pareceu infinita e deliciosa. Minha primeira matinê de Carnaval, em que meus pais me introduziram no mundo das marchinhas e da alegria-fantasia carnavalesca.
Os anos foram passando, eu cresci, e passei a ir com as amigas ao clube, fazer blocos de fantasia, ir aos bailes noturnos. Meu pai, sempre vigilante, nos levava e buscava às 4h da manhã. Ele dizia: "prefiro ir buscar e levar todas as amigas, assim sei que todas chegaram em casa". O tempo correu, demos vários nós no meu pai: atrasar relógios, chegar atrasada ao ponto de encontro porque alguma de nós estava pegando telefone de algum menino, ou alguma havia sumido. Ficávamos de castigo um dia de Carnaval quando isso acontecia: meu pai não levava um dos dias, isso era certo. Ele era superbacana, mas tinha limite. Aí ficávamos espertas e não fazíamos mais ele esperar meia hora na madrugada fria por nós, e trazer desculpas esfarrapadésimas pro motivo do atraso. Além da noite, íamos também às matinês. Quase não dormíamos. O Carnaval era um combo de eventos, de juventude, de não dormir, de viver alerta a todos os sentidos.
Minha filha nasceu, e quando ela tinha 3 anos a levei a sua primeira matinê comigo. Lembro bem. Ela tinha duas fantasias: uma de Pierrô, outra de bailarina. Fiz a maquiagem com capricho de mãe-coruja nos dois dias de matinê, e ela ficou linda com aqueles cabelinhos loiros e pele branca, boquinha vermelha de boneca de porcelana. Ela, no primeiro dia, também embatucou. Não quis dançar, agarrou na minha perna, e quis colo. Dei. Mas, devagar, fui dançando com ela pro meio do salão. Quando ela percebeu, estava entre as crianças pulando e dançando... Mas quem disse que eu podia sair dali? Tive que ficar entre os baixinhos o tempo todo pra ela se sentir segura e brincar à vontade. Esse foi seu primeiro Carnaval. Chegando em casa, só consegui tirar a maquiagem do rostinho, sequer banho consegui dar. Exausta, ela dormiu até o dia seguinte... Linda, parecia um personagem em sua fantasia de Pierrô. Quando acordou de manhã me perguntou: "Mãe,a gente pode ir no Carnaval hoje?".
Chegamos quase ao Carnaval de 2013, e sinto falta daquelas matinês, daquelas noites fantasiada de alguma coisa que nem lembro mais, das amigas que vinham em casa pra se arrumar, do meu pai em prontidão, calmo e paciente, pra nos levar. Da minha mãe ajudando na costura das fantasias. Há anos não brinco o Carnaval. Aproveito pra viajar ou pra descansar, Ou, muitas vezes, estou trabalhando e perco tudo dele. Mas, desta vez, quero aproveitar, quero recuperar um pouco do tempo e da fantasia daquele primeiro dia, em que meu pai e minha mãe me levaram pela mão e me ensinaram como se portar no salão da fantasia, ao som das marchinhas...
Encontrei uma lista de eventos pré-Carnaval e blocos carnavalescos de 2013, e divido com vocês:

Trajetos e datas de "esquentas", ensaios de escolas de samba e dos blocos de carnaval na Vila Madalena (disponível em: http://catracalivre.folha.uol.com.br/2013/01/)


Esquentas:

Dia 1º de fevereiro, das 14h30 às 17h30

O Bloco da Ressaca nasceu em 1984, fundado por um grupo de amigos que frequentavam o Restaurante Javali, tradicional ponto de encontro do Bairro do Cambuci. Desde lá, o Bloco anima as ruas do bairro, no sábado que antecede o carnaval, levando alegria a toda comunidade, que em grande parte participa com fantasias feitas por eles mesmos.

Trajeto Ressaca – O desfile especial do Bloco da Ressaca para o projeto partirá da Rua Álvares Penteado em sentido ao Largo do Café, Rua do Comércio, Rua 15 de novembro, Rua Boa Vista, chegando ao Pátio do Colégio.

Dia 2 de fevereiro, das 14h30 às 17h30

O Grêmio Cultural e Esportivo Grone’s foi fundado em julho de 1996 no bairro do Jardim Tremembé, Zona Norte de São Paulo. Nestes 17 anos de trajetória dos Grone’s, o futebol e o samba foram a razão da sua existência, transformando nos finais de semana pessoas comuns em estrelas do futebol e em mágicos ritmistas, revigorando a cultura do esporte e a arte do samba. No grupo, os ritmistas fazem a festa com seus surdos, repeniques, caixas, pandeiro, tamborins.

Trajeto Grone’s – A Banda Grone’s saíra da Rua Álvares Penteado, rumo ao Largo do Café, Rua São Bento e Praça do Patriarca. Após concentração na Praça, o desfile segue pela Rua da Quitanda, retornando ao CCBB.

(disponível em: http://catracalivre.folha.uol.com.br/2013/01/trajetos-e-datas-dos-blocos-de-carnaval-na-vila-madalena/)

Confira os dias em que a festa do Carnaval tomará conta da Vila Madalena, localizada na zona oeste da cidade de São Paulo. Segue lista com data, horário e trajetos dos blocos de rua:

Cordão Carnavalesco Confraria do Pasmado

Dia 3/02. Concentração: na rua Nova Veneza. Trajeto: ruas Rodésia, Jericó, Purpurina, Harmonia, Aspicuelta e Medeiros de Albuquerque.

Cordão Carnavalesco Kolombolo diá Piratininga
Dia 2/02. Concentração às 15h /Cortejo às 17h na Rua Belmiro Braga. Trajeto: ruas Inácio Pereira da Rocha, Mourato Coelho, Aspicuelta, Harmonia, Luiz Murat, Horácio Lane, Cardeal Arcoverde e Belmiro Braga.

Vai Quem Quer
Dias 9, 10, 11 e 12/02, a partir das 20h. Concentração na Praça benedito Calixto. Trajeto: Praça Benedito Calixto, ruas Lisboa, Artur de Azevedo, Mourato Coelho, Aspicuelta, Fradique Coutinho, Teodoro Sampaio, Praça Benedito Calixto. (Trajeto original, sujeito a alteração durante o percurso)

Bloco “Nois Trupica Mais Não Cai”
Dia 3/02. Concentração às 15h e saída às 16h. Concentração Belmiro Braga. Trajeto: ruas Inácio Pereira da Rocha, Morato Coelho, Aspicuelta, Fidalga, Purpurina e Harmonia.

Pimentas do Reino
Dia 2\02. Concentração das 14h na rua Girassol. Trajeto: ruas Rodesia, Harmonia, Purpurina, Fidalga, Wisard, Harmonia, Gonçalo Afonso (Beco do Batman).

Maria Madalena e os Alagados do Rio Verde

Dia 3/02. Concentração: “”Praça Aprendiz das Letras”" das 18h às 19h. Trajeto: ruas Fidalga, Aspicuelta até o Beco do Batman (talvez volte para a Praça Aprendiz das Letras).

Bloco do Ó

Bloco do Ó - Dia 3/02. Concentração a partir das 15h. Trajeto: ruas Horácio Lane, Cardeal Arcoverde, Belmiro Braga e Horácio Lane.

João Capota na Alves

Dia 10/02. Concentração às 14 h na rua João Moura. Trajeto: o percurso ainda não está definido.

Filhos da Mamãis

Dia 27/01. Trajeto: ruas Fradique Coutinho, Aspiculeta, Fidalga, Wizard, entra na Girassol e desce Aspicuelta e volta para Fradique Coutinho.

Confira a agenda de ensaio de algumas das Escolas de Samba de SP para os próximos dias

Redação em 14/11/12


Confira a programação das Escolas de Samba para o feriado. As datas e preços variam de acordo com cada quadra paulistana.



Império da Casa Verde
Enredo: “Pra todo mal há cura…e quem canta seus males espanta!”
Ensaio: sábados, a partir das 23h, ensaio geral para o Carnaval 2013, com entrada Catraca Livre
Endereço: Avenida Engenheiro Caetano Álvares, 2042, Casa Verde São Paulo, tel: (11) 3955-7512

Unidos de Vila Maria
Enredo 2013: ‘Made in Korea’
Ensaio: Todas as sextas-feiras – Ensaios Gerais do Carnaval 2013, a partir das 21h. E aos domingos à partir das 20h. Entrada: Não-Sócio, R$ 10,00.
Endereço: Rua Cb. João Monteiro da Rocha, 448 , Jardim Japão São Paulo, tel: (11) 11 2201-7168

Mocidade Alegre
Enredo: “A Sedução Me Fez Provar, Me Entregar à Tentação… Da Versão Original, Qual Será o Final?”
Ensaio: Todos os domingos, a partir das 18h, com entrada a R$ 10.
Endereço: Avenida Casa Verde, 3498 São Paulo, 02520-300, telefone: (11) 3857-3611

Pérola Negra
Enredo: “O espetáculo vai começar, Pérola Negra apresenta: O Auto da Compadecida”, baseado no livro e filme homônimo…”
Ensaio: Todos os domingos, a partir das 18h. Ingressos a R$ 5.

Estrela do Terceiro Milênio
Enredo: ‘Reluz na constelação da Terceiro Milênio uma maravilha de estrela chamada Elke’
Ensaio: Todos os domingos ensaios do Carnaval 2013, a partir das 18h. Verificar preço.

Acadêmicos do Tucuruvi
Enredo: “Mazzaropi: O adorável caipira. 100 anos de alegria!”
Ensaio: Todos os domingos, Ensaio Geral, a partir das 18h na quadra social.

Para os pequeninos:
Bloco da Ressaca

Com uma ala infantil composto por 100 crianças, o Bloco se encarrega de todo aparato e segurança: pega autorização com os pais, fornece a fantasia (que este ano será ligada a tema de 2013) sairão: fadas, duendes, bruxas(os), entre outros, quanto a segurança: fornece pulseiras de identificação para pais e filhos.

2 de fevereiro, a partir das 14h

Concentração: Largo do Cambuci

Roteiro ( Largo do Cambuci, Rua Luis Gama, Cesário Ramalho, Barão de Jaguara, Silveira da Mota, dos Alpes, Jerônimo de Albuquerque, Barão de Jaguara, Silveira da Mota e Luis Gama (dispersão)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

"Se meus Fuscas falassem..."


Dia Nacional do Fusca: conheça diversas obras no seu formato http://bit.ly/VhNrRk (disponível em: catracalivre)

"Se meus Fuscas Falassem"

Em casa, a gente teve dois: um azul 1966, que era uma graça, mas estava sempre na oficina. Isso foi em 1972. Depois, deve ter havido alguma promoção do meu pai no trabalho, pois houve um upgrade de Fusca em casa, e chegou um zero kilômetro, vermelho Montana, me lembro bem! Ele brilhava na garagem, e a gente, animado pela novidade de um novinho em folha, ajudava a lavar nos finais de semana. As viagens a "Long Beach", a Santos, interior de São Paulo eram garantidas pelo possante, que não quebrava, e era veloz sob o comando do "piloto italiano" (ele gosta de correr...), como meu pai se autodenomina até hoje.
Eram felizes aqueles momentos em família, apesar do carro pequeno e a turma ser enorme. Eram 5 pessoas, e o porta-malas tinha que conter tudo: até bicicleta para a praia, e produtos de limpeza da minha mãe. Mas havia aquele "buraco" lá atrás, onde a gente, criança ainda, adorava "embodocar", como diziam... Então, se havia algum adulto para ser passageiro atrás, a gente corria pra ser o primeiro a ir no "buraco" do Fusca.
O tempo passou, e chegou a Brasilia, o lançamento da VW. Meu pai aposentou o Fusca num anúncio de jornal qualquer. Ele foi vendido com nossos sentimentos e lembranças dentro dele. Os risos de criança, os piqueniques feitos ali dentro nas jornadas mais longas -- presunto, queijo prato, pão Pullmann, guaraná em copos plásticos --, a angústia das idas ao pronto socorro conosco para dar alguns pontos depois de alguma brincadeira mais feroz, a ansiedade ao buscar na maternidade no irmãzinho mais novo, a birra de pré-adolescentes, a alegria esquizofrênica das viagens em família... Tudo isso foi batizado nele, e foi-se com ele também ao ser vendido. Mas eu nunca vou esquecer o "piloto italiano" atento ao volante, e a co-pilota a seu lado... Nós, atrás, não sabíamos que a vida era uma estrada um tanto acidentada fora daquele mundinho encantado de nosso Fusca.
Um Fusca é um baú repleto de lembranças e memórias. Inesquecíveis...

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Um novo ano e uma nova vida

Um novo ano se inicia e com ele, na minha vida, tudo é novo, não só o tempo.
Minha filha entra numa nova fase, seu tempo de adulto, e com isso, eu entro num tempo de mais vagar, menos correria, sou uma mãe não mais em tempo integral. A distância, vou dando um help, sempre que necessário. Além disso, há outras mudanças para uma mulher que adentra o tempo. Há mudanças no corpo, na forma de ver e de calar por vezes. Ou de mergulhar de um jeito absurdo, como nunca antes. Há segredos que florescem no coração. Há que olhar ao redor e retomar nas mãos as células congeladas por motivos nobres, e com o calor de um novo olhar, derretê-las, fazê-las rever o mundo, reaprendê-lo, assimilar novas cores, novos tons, novas nuances. Tudo devagar, com calma, sem pressa. Pois tudo que se retoma tem que ser sorvido com a natureza espessada do tempo. Como uma bala de coco. Para ser feita, leva-se muito tempo, temperatura e horas de fogão. Depois, tem de ser esticada e compactada a dois, muitas e muitas vezes, até atingir certa consistência. Só então pode-se puxar a massa em fios grossos e cortar. Depois ela descansa e endurece. Daí, depois de horas, surgem aquelas balas de coco. Deliciosas. Sabor de ambrosia, deuses, Olimpo. Vi minha mãe fazer muitas vezes quando era pequena, por isso sei da necessidade do tempo para as coisas belas e doces de nossa vida.
Coisas belas e doces... pensando nisso, sempre penso em minha filha primeiro, então este primeiro texto de 2013 do blogue é dedicado a ela, para celebrar a chegada do seu tempo de adulto. Feliz ano-novo, minha filha.

Flores


Para minha filha, Isadora.


Uma tarde fria de maio. E o pressentimento de que nada mais será o mesmo.
O toque suave da intuição soprando letras decodificáveis. O sentimento prediz o rumo inevitável e delicioso da vida. Algo alterando para sempre o ritmo desse universo.
De uma dança feérica, palavras surgem, delicadas, confirmadoras. Todo um sistema de signos em prontidão. A certeza apenas como uma questão de tempo, a esperar, a esperar.
Quieta, encastelada, encapsulada nessa condição de mulher, à procura de um sinal, à procura de um sinal.
Violetas brotam em vasos coloridos. Uma primavera cor-de-rosa projeta três botões. Um cacto áspero rende-se a roliças suculentas. Nas vidraças, um masculino sol a aquecer os dias.
Como num roteiro, fotos em sépia prenunciam a continuidade do mundo. E a dor paradoxal dessas inevitáveis alegrias. O silêncio a emoldurar esse quadro.
Uma coreografia imaginária se insinua nesse cenário, trazendo consigo a sonoplastia mais pura – águas claras chocando-se nas pedras. Uma felicidade insuportável galopa num crescendo. Cascos batendo cada vez mais perto do coração. A felicidade, ambígua, faz doer vislumbres futuros. Um receio desobediente libera-se de um quarto escuro, e faz tremer essa certeza-tudo. Num átimo, sim. E o mergulhador atira-se do despenhadeiro. Bliss.
Imagens ancestrais a amparar o inconsciente. Como pinturas rupestres a narrar uma história, códigos virtuais perseguem em desespero a voz das origens. Uma presença mítica e urgente a flanar, pulverizando-se – apenas uma palavra, uma frase, e o rito de passagem cumprirá seu percurso encantado.
Uma locação onírica, e a câmera felliniana focaliza o luar leitoso a iluminar uma veste em opala branca, delicada e suave, abandonada num céu de estrelinhas cor-de-carne. Um elmo se revela em segundo plano; descansa seu brilho metálico à beira desse abismo entre dois mundos. Uma ponte salina, por vezes, liga brevemente esses dois universos, para em seguida ser desmanchada pelo vento.
Do outro lado do planeta, o sol antagonista cumpre, indiferente, seu destino. Despreocupado, evita sensibilidades lunares. Sequer terá ciência de que essa lua, que adormece Psiquê, despertará Afrodite.
Maio. E suas flores sob a luz do outono.